quinta-feira, 14 de maio de 2009

Sobre o turismo da pobreza e o embelezamento da miséria

Não sei bem o que desencadeou o pensamento, se é que pensamentos têm que ser desencadeados. Mas o caso foi que comecei a pensar sobre tipos alternativos de turismo que se fazem mundo afora, inclusive na Rocinha. Achei em uma pesquisa na internet um passeio que custa setenta e cinco reais por três horas de voltinhas dentro de uma das maiores favelas do Brasil. Passeio de jipe para aprender sobre a maneira de viver dos miseráveis retirantes nordestinos, sobre a vida governada pelo tráfico, sobre como viver sem a infra-estrutura nem higiene necessárias para uma vida digna.

Turistas não são antropólogos. São apenas turistas, querendo aprender a cultura, a história ou simplesmente descansar. Antropólogos podem ser turistas, mas turistas não são antropólogos. Enfim, fico confusa com essa história toda. Porque além dos que querem de fato entender alguma coisa nessas três horas sobre a sociedade brasileira, a desigualdade e o tráfico - o que eu duvido que seja possível-, fico imaginando que tipo de fascínio existe em ver de perto o quão triste é a realidade do nosso povo.

Lembrei-me de duas situações ligadas a esse tipo de turismo. A primeira foi quando fui a Amsterdã. Da famosa Red Light zone eu não cheguei nem perto. Por quê? Simplesmente porque não estava a fim de ver meninas e mulheres sendo ofertadas em vitrines como carnes de açougue. Há quem diga que existem putas felizes e que realmente gostam do que fazem. Mas a maioria... A maioria, eu duvido. As pessoas são sentimentos no fim das contas. Existem coisas com as quais nunca nos acostumamos.

A segunda situação foi no México. Em Creel, uma cidadezinha no estado de Chihuahaua. Fizemos o passeio de trem de Los Mochis à cidade de Chihuahua, passando pelos cânions de cobre. Desembarcamos na cidade de Creel, em que aproveitamos para fazer alguns passeios nos dias seguintes. Em um dia visitamos os Tarahumaras, uma aldeia indígena bem pobre como a maioria das aldeias remanescentes. O turismo na aldeia dos Tarahumaras é incentivado pelo comércio de seus artesanatos para ajudar com que tenham uma vida mais digna. É incentivado pela divulgação de suas culturas e seus valores. Há um museu na cidade com a história e costumes. A pobreza foi conseqüência da colonização espanhola. A aldeia não nasceu da pobreza, surgiu de mistérios de muitas teorias, porém nunca desvendados. Não explora a miséria, nem cultua a pobreza.

No dia seguinte, fizemos um passeio que incluía vários pontos turísticos da região. Depois de ver lagos, cachoeiras e muito verde, enfim paramos na última atração do dia. Passamos por uma grade e chegamos a grandes pedras com uma pequena entrada. Quando entramos, eis a surpresa. Uma família vivia ali. No exato momento em que me dei conta, saí daquele lar com náuseas. Quando o guia disse que iríamos visitar uma casa construída sob pedras, pensei que se tratasse de uma forma de construção própria da região. Jamais havia passado pela minha cabeça que uma família miserável, sem ter o que comer ou onde morar, alojou-se entre duas pedras enormes, sem a menor condição de vida. Mãe e filha sorriam para nós e pediam esmolas.

Mas, sem muitos argumentos, não sei exatamente o que me incomoda nessa história toda. Sei que não concordo. Sei que me faz mal pensar em participar e contribuir para esse tipo de turismo. Sei que me dá vontade de correr quando vejo algo parecido na minha frente. Talvez seja apenas questão de valores que eu ainda não tenha conseguido desvendar em argumentos.

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