segunda-feira, 30 de março de 2009

Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
Eu carente sou insana
Eu malandra sou fresca
Eu seca sou vazia
Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
Eu santa sou gelada
Eu salgada sou crua
Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
Eu à toa sou tua.
Martha Medeiros

domingo, 29 de março de 2009

O show tem que continuar...

O teu choro já não toca
Meu bandolim
Diz que minha voz sufoca
Teu violão
Afrouxaram-se as cordas
E assim desafina
E pobre das rimas
Da nossa canção
Hoje somos folha morta
Metais em surdina
Fechada a cortina
Vazio o salão
Se os duetos não se encontram mais
E os solos perderam emoção
Se acabou o gás
Pra cantar o mais simples refrão
Se a gente nota,
Que uma só nota
Já nos esgota
O show perde a razão
Mas iremos achar o tom
Um acorde com um lindo som
E fazer com que fique bom
Outra vez, o nosso cantar
E a gente vai ser feliz
Olha nós outra vez no ar
O show tem que continuar
(Arlindo Cruz / Sombrinha / Luiz Carlos da Vila)

quarta-feira, 25 de março de 2009

É na Dança que a verdadeira democracia se manifesta (com D maiúsculo também)

Depois de meses freqüentando os bailes de sexta e encontrando as mesmas pessoas, dei-me conta que pouco sabia sobre suas vidas, além do óbvio que nos reunia no mesmo lugar: a dança. Observei-as pela primeira vez. Jovens sonhadores, senhores e senhoras experientes, baixos e altos, gordos e magros, morenos, ruivos e afins. Pessoas de toda sorte e dos mais variados ramos de atividades. Gostos distintos, opiniões divergentes. Mas Ela estava ali. E Ela sozinha bastava para que não houvesse espaço para quem, o que ou por que.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro. Existem outros tipos de morte e precisamos morrer todo dia.
A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação.
Não existe planta sem a morte da semente, não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a morte da lagarta, isso é óbvio!
A morte nada mais é do que o ponto de partida para o início de algo novo.
É a fronteira entre o passado e o futuro.
Se você quer ser um bom universitário, mate dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente.
Quer ser um bom profissional?
Então mate dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas.
Quer ter um bom relacionamento, então mate dentro de você o jovem inseguro ou ciumento ou o solteiro solto que pensa poder fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projetos e tempo com mais ninguém.
Enfim, todo processo de evolução exige que matemos o nosso "eu" passado, inferior.
E, qual o risco de não agirmos assim?
O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo nossa produtividade e, por fim, prejudicando nosso sucesso.
Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser.
Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam.
Acabam se transformando em projetos inacabados, híbridos, adultos infantilizados".
Podemos até agir, às vezes, como meninos, de tal forma que não matemos virtudes de criança que também são necessárias a nós, adultos, como: brincadeira, sorriso fácil, vitalidade, criatividade etc.
Mas, se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar atitudes infantis, para passarmos a agir como adultos.
Quer ser alguém (líder, profissional, pai ou mãe, cidadão ou cidadã, amigo ou amiga) melhor e mais evoluído?
Então, o que você precisa matar em si ainda hoje para que nasça o ser que você tanto deseja ser?
Pense nisso e morra! Mas, não esqueça de nascer melhor ainda!
Paulo Angelim

sexta-feira, 20 de março de 2009

Conjuntivite antecipada - Para Renata e Sara (em ordem alfabética)

Não era Natal, nem Ano Novo, nem meu aniversário. Motivo aparente: saudade. Motivo real: amizade.

Estava arrumando as gavetas e me deparei com o presente pós-pré-viagem que vocês me deram. O mais criativo e emocionante que já recebi. Explico: ganhei de duas amigas muito especiais um pequeno livro com fotos e textos delirantes. A história era a minha fuga do México para passar o Ano Novo no Brasil com elas. Segundo a história, eu forjei uma conjuntivite para conseguir uma dispensa de cinco dias no trabalho. Elas fizeram uma máscara minha e tiraram fotos em diversos lugares, inclusive na festa de Reveillon. Foi emocionante e hilário. Obrigada! Vou agradecer cada vez que eu ler a história e ver as fotos, rir bastante de cada insanidade descrita e pensar como a amizade de vocês é fundamental para a minha existência. Talvez o momento em que recebi o presente não tenha sido o mais adequado, pois não tinha a estabilidade emocional requerida. Penso nas horas, dias e meses que vocês dispensaram escolhendo fotos, escrevendo, imprimindo e encadernando essa história maluca.


E aqui estou em casa, em pleno dia útil, tratando de uma conjuntivite que vocês inventaram que um dia inventei.

Sobre o Deserto (com D maiúsculo)

Depois de uma hora, estávamos no meio do Deserto de Thar, enquanto o sol caía no meio do vazio. Uma amiga me relatara uma vez a primeira experiência em um deserto, o Deserto do Atacama. Dissera que enfim havia descoberto o que era um deserto. E ali estava eu, lembrando de suas palavras e tentando definir o que não se mede. O deserto fala por si só. Ou melhor, o deserto cala. Guarda consigo as manhãs ensolaradas e os mistérios das noites de lua cheia. Guarda em segredo as mágoas de seus visitantes e as esperanças dos viajantes solitários. Sentimentos e sensações são multiplicados pela imensidão do nada, onde o olhar se perde e onde se dilui o limite em areia, vento e céu.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Beatrice e Pablo

Ela entrava majestosa e silenciosa no salão, salvo pelos toc-tocs dos seus altos saltos pretos. O baile já havia começado. Vinha com uma maquiagem discreta e vestido rodado, azul como os seus olhos.

Buscava um canto onde refugiar-se para tomar a primeira cerveja. Ela estava sozinha. Encontrou um lugar que a aguardava tão solitário quanto o seu olhar. O canto é sempre tão mais aconchegante, pensou. Como se as paredes ao seu redor oferecessem os ouvidos para os seus lamentos e as suas costas como apoio.

Buscou uma cadeira com as mãos e delicadamente cruzou as pernas. Pediu uma cerveja preta. A tristeza a consumia por dentro, mas tratava de dissimulá-la em um tímido sorriso. Com o primeiro gole, lhe escorreu pela garganta todo o sangue de ódio pelas palavras recém ouvidas. Os olhos estavam distantes, porém ela estava ali. Imóvel. Uma voz conhecida cortou o silêncio em que se encontrava:

- Vamos dançar, Beatrice?

Era Pablo, um velho conhecido de gafieiras freqüentadas há tantos anos que já havia perdido a conta de quanto tempo fazia.

Respondeu com um olhar de consentimento, colocou delicadamente o copo na mesa mais próxima e levantou-se. Recobria pouco a pouco a audição que lhe fora roubada pela melancolia. As pessoas no salão voltaram a ter formas e cores. Depois de três passos, explodiu em seu rosto um radiante sorriso. O primeiro sorriso sincero nos últimos três anos.

terça-feira, 17 de março de 2009

Adoçante

Nossa...
Hoje descobri que estou um desastre na cozinha.
Fazia tempo que não resolvia aparecer neste cômodo da casa para colocar as mãos na massa, foi hoje!
Cheguei lá, achei comida preparada por minha mãe preta e decidi que não era isso que eu queria. Queria comer alguma coisa que eu considerasse saudável, que fosse fácil de fazer e que me fizesse sentir bem, leve.
Olhei a geladeira...
Olhei a fruteira...
Olhei o armário...
Claro que não ia me atrever a ir ao fogão. Tempos atrás tinha mais intimidade com ele, mas hoje! Desastre!
Então, de acordo com minhas opções, falta de criatividade e disposição para ser mestre-cuca, resolvi por fim que o ideal seria uma vitamina.
Frutas e frutas no liquidificador. ha ha ha
Para qualquer pessoa isso é fácil e eu nunca errei uma vitamina antes...
Estava tão feliz! Tinha laranja, então não precisaria usar leite. Leite não daria a leveza que eu estava procurando.
Peguei duas laranjas, uma banana e meio mamão.
Cortei as laranjas ao meio e espremi com a mão mesmo, não queria ofender demais meu alimento, queria que ele se sentisse desejado por mim. Claro que sobrou muito suco no bagaço.
Nem escolhi a banana porque estavam todas muito parecidas. Cortei com cuidado e coloquei no liquidificador.
Meio mamão.
Bati.
Ficou quase um patê.
Dei uma analisada e constatei que beber minha vitamina de colher não era minha intenção.
Coloquei água...nem pensei q banana e água não combinam, não sei porquê, mas disso eu sempre tive certeza.
Ficou aguado.
Após uma pequena reflexão, não poderia me deixar vencer. Era uma mistura simples.
Peguei mais uma laranja e espremi só a metade ali, sem nenhum amor dessa vez.
Eu não usava aquele liquidificador fazia tempo - isso se um dia usei - e toda vez que precisava provar a vitamina aquele copo não saia da base de jeito nenhum.
Foi após a última metade de laranja que o liquidificador me deu um golpe.
Eu tinha tirado a tampa para ver a consistência da vitamina e tentar me confortar que seria daquele jeito mesmo. Coloquei até adoçante para não dar o braço a torcer. (Tudo que é doce é melhor, mas se estivesse ruim a culpa seria do adoçante que sempre deixa um gosto de remédio)
Na luta com o copo e base, eu estava distraída. Foi quando pelo menos um quarto da mistura, passou voando ao lado do meu rosto (Que sorte, porque tinha acabado de lavar o cabelo) e se espalhou no chão branco da cozinha, que por sinal é toda branca.
Fui correndo limpar. Mesmo não tendo mencionado, estou com um tipo de TOC, lavava a mão entre uma laranja e outra e a cada 3 minutos.
Limpei tudo.
Decidi beber o que sobrou.
E pensei que, com certeza, o gosto era do adoçante.

Epidemia vermelha à vista

O incômodo e a vermelhidão persistiam. No trabalho, houve consenso: conjuntivite. Não havia me ocorrido. Minha primeira conjuntivite em vinte e sete anos de vida.

Fui ao oftalmologista no Largo do Machado. O diagnóstico popular fora certeiro. Saí de lá com quatro dias de afastamento do trabalho e dos estudos.

Peguei o metrô de volta ao Centro. Já eram seis da tarde, hora do caos para quem se aventura ir da Zona Sul à Zona Norte. Quando entrei, o vagão já era uma lata de sardinha quase completa. Desequilibrei-me por alguns instantes enquanto os meus olhos buscavam rapidamente algum apoio. Foi quando veio a voz que dizia:

- Pode segurar no meu braço, não tem problema.

Eu, meio desajeitada e ainda pensando na conjuntivite recém-diagnosticada, consegui me apoiar na barra mais próxima, entre esbarrões acidentais e pedidos de desculpas às pessoas pelo caminho. Imagina segurar o braço de um estranho! Só mesmo em casos emergenciais, pensei.

Observei silenciosamente o guardião daquela voz. Alto, careca, pêlos nos braços, sapatos desbotados, camisa listrada e um perfume de quem acabara de sair do banho. Lia um livro de bolso. Eu, de óculos escuros, me entortei para um lado, me entortei para o outro, mas não consegui ler nem o título do livro nem o autor. Apenas vi que começava com V. Seria Vinícius? Sorri por dentro.


- Que saco! - pensei, sem saber exatamente o motivo.

Sempre invejei os que conseguem ler em pé.

A cada estação entravam mais e mais pessoas. Lembrei-me de uma vez em que quase não consegui descer na estação de destino por estar justamente na porta oposta à da minha descida.


Olhei para o careca e interrompi a sua leitura sem cerimônias.


- Você sabe qual é o lado que se desce na estação Presidente Vargas? – arrisquei.
- Não – os olhos verde-sinceridade me olharam.
- To com medo de ficar presa – confessei.
- Você tem que pensar que vai conseguir descer!

E logo me encorajou a perguntar a outras pessoas que imediatamente me indicaram que estava na porta correta. Respirei aliviada. Ele esboçou um sorriso de contentamento. Desceu na estação seguinte e se perdeu, anônimo, na multidão.

Memorias de mis putas tristes - G.G.Marquez

"Los adolecentes de mi generación avorozados por la vida olvidaron en cuerpo y alma las ilusiones del provenir, hasta que la realidad les enseñó que el futuro no era comno lo soñaban, y descubrieon la nostalgia"

domingo, 15 de março de 2009

ComPaixão

Todas as línguas derivadas do latim formam a palavra "compaixão" com o prefixo com - e a raiz passion, que origináriamente significa "sofrimento". Em outras línguas, por exemplo em tcheco, em polonês, em alemão, em sueco, essa palavra se traduz por um substantivo formado com um prefixo equivalente seguido da palavra "sentimento" (em tcheco: soucit; em polonês: wspol-czucie; em alemão: Mit-gefuhl; em sueco: med-kansla).

Nas línguas derivadas do latim, a palavra compaixão significa que não se pode olhar o sofrimento do próximo com o coração frio, em outras palavras: sentimos simpatia por quem sofre. Uma outra palavra que tem mais ou menos o mesmo significado: piedade (em ingles pity, em italiano peitá, etc.), sugere mesmo uma espécie de indulgência em relação ao ser que sofre.

É por isso que a palavra compaixão inspira, em geral, desconfiança; designa um sentimento considerado de segunda ordem, que não tem muito a ver com o amor. Amar alguém por compaixão não é amar de verdade.

Nas línguas que formam a palavra compaixão não com a raiz " passio: sofrimento", mas com o substantivo "sentimento", a palavra é empregada mais ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente pode-se dizer que ela designa um sentimento mau ou medíocre. A força secreta da sua etiologia banha a palavra com uma outra luz e lhe dá um sentido mais amplo: ter compaixão (co-sentimento) é poder viver com alguém sua infelicidade, mas é também sentir com esse alguém qualquer outra emoção: alegria, angústia, felicidade, dor. Essa compaixão (no sentido de soucit, wspol-czucie, Mitgefuhl, med-kansla) designa, portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva - a arte da telepatia das emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo.

A insustentável leveza do ser - Milan Kundera

sexta-feira, 13 de março de 2009

Manhã de quinta

No ponto de ônibus, parou um casal já idoso.

- Não quer levar? – pergunta ela, oferecendo um saco plástico com uma garrafa de água e um copo.
- Não, - ele diz - não precisa.
- Leva - ela insiste.

O senhor então pega o saco sem pronunciar uma palavra. E então diz:

- Vai, pode ir.
- Por que está me mandando embora?
- Você tem que ir trabalhar.
- Mas não há necessidade, só começo às nove. E biscoito, você quer levar?
- Não, não precisa, você vai querer comer mais tarde.
- Não, não, eu não como biscoito. – já colocando o pacote dentro da pasta dele – Quer que eu te acompanhe até o terminal?
- Não precisa. Tá torto.
- O que tá torto?
- Essa coisa no seu cabelo.
- Tá torto nada. Tomou o remédio para pressão?
- Ainda não.
- Isso é o que eu chamo de desobediência.

O ônibus chega. Eles se despedem. O senhorzinho sobe. A senhorinha caminha e pára. Olha para dentro do ônibus. Certifica-se de que ele está sentado. E segue.

Natureza Humana

Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemônio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo é cheio de santa singeleza

Vagueio pela múrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vívida a saudade
Da cidade em bulício e febre acesa

Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar

Que a vida é esta incerteza que em mim mora
A vontade tremenda de ir-me embora
E a tremenda vontade de ficar

(Vinícius de Moraes)