terça-feira, 17 de março de 2009

Epidemia vermelha à vista

O incômodo e a vermelhidão persistiam. No trabalho, houve consenso: conjuntivite. Não havia me ocorrido. Minha primeira conjuntivite em vinte e sete anos de vida.

Fui ao oftalmologista no Largo do Machado. O diagnóstico popular fora certeiro. Saí de lá com quatro dias de afastamento do trabalho e dos estudos.

Peguei o metrô de volta ao Centro. Já eram seis da tarde, hora do caos para quem se aventura ir da Zona Sul à Zona Norte. Quando entrei, o vagão já era uma lata de sardinha quase completa. Desequilibrei-me por alguns instantes enquanto os meus olhos buscavam rapidamente algum apoio. Foi quando veio a voz que dizia:

- Pode segurar no meu braço, não tem problema.

Eu, meio desajeitada e ainda pensando na conjuntivite recém-diagnosticada, consegui me apoiar na barra mais próxima, entre esbarrões acidentais e pedidos de desculpas às pessoas pelo caminho. Imagina segurar o braço de um estranho! Só mesmo em casos emergenciais, pensei.

Observei silenciosamente o guardião daquela voz. Alto, careca, pêlos nos braços, sapatos desbotados, camisa listrada e um perfume de quem acabara de sair do banho. Lia um livro de bolso. Eu, de óculos escuros, me entortei para um lado, me entortei para o outro, mas não consegui ler nem o título do livro nem o autor. Apenas vi que começava com V. Seria Vinícius? Sorri por dentro.


- Que saco! - pensei, sem saber exatamente o motivo.

Sempre invejei os que conseguem ler em pé.

A cada estação entravam mais e mais pessoas. Lembrei-me de uma vez em que quase não consegui descer na estação de destino por estar justamente na porta oposta à da minha descida.


Olhei para o careca e interrompi a sua leitura sem cerimônias.


- Você sabe qual é o lado que se desce na estação Presidente Vargas? – arrisquei.
- Não – os olhos verde-sinceridade me olharam.
- To com medo de ficar presa – confessei.
- Você tem que pensar que vai conseguir descer!

E logo me encorajou a perguntar a outras pessoas que imediatamente me indicaram que estava na porta correta. Respirei aliviada. Ele esboçou um sorriso de contentamento. Desceu na estação seguinte e se perdeu, anônimo, na multidão.

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